Acabou a escola. Do pré-escolar às universidades, a segunda parte do ano letivo de 2019/2020 vai ser recordada como um ano singular. Na experiência individual muitos anos são especiais, mas como comunidade os anos letivos são habitualmente “mais um ano que passou”, dito sem desprimor, mas com a familiaridade do tempo cíclico, dos meses comuns, do quotidiano.
A escola é um dos pilares da sociedade contemporânea, por muitas e nobres razões, pela certeza de que a escola é um dos mais fundamentais direitos dos cidadãos, porque é porta aberta a um futuro mais livre e melhor para cada um e para a sociedade.
Mas a escola é também um dos pilares da nossa vida em comum porque é à volta dos seus ritmos, dos seus horários, das pausas e dos momentos de maior exigência, que se organiza a vida das pessoas. Obviamente, a vida das famílias com crianças e jovens a frequentar diferentes níveis de ensino, mas com um impacto em toda a vida comum: a frequência dos transportes públicos, o trânsito de acesso às cidades, os preços dos alojamentos de férias, etc.
Este ano não é mais um ano que passou
Este ano não é “mais um ano que passou” e nem sequer as férias são vividas com a tranquilidade de um setembro expectável. Há muita vontade de que tudo regresse ao modo conhecido de estar na escola: as salas, o recreio, o ginásio, os amigos, os professores, os auxiliares, a cantina, o bar, a sala de convívio, a biblioteca, o café em frente à escola, os trabalhos de grupo, as festas de aniversário…
O ministro da educação, Tiago Brandão Rodrigues, anunciou, a 23 de junho, que o ano letivo 2020/2021 começará entre 14 e 17 de setembro, com um ensino presencial “possível e perene”.
As universidades também preparam o regresso às aulas com expetativa, com prudência e ainda sem muitos detalhes sobre os moldes em que se desenrolará.
Nos meios de comunicação social contrastam-se opiniões sobre os perigos de juntar os jovens nas escolas e nas universidades, sobre soluções para a convivência com o menor risco possível, sobre eventuais cenários de “voltar a confinar”. Em vários países, o debate é o mesmo, as opções são diferentes.
Num momento em que se mantém um crescimento estável dos novos casos de infeção por coronavírus (sim, crescimento estável, no sentido em que o ritmo do aumento se mantém mais ou menos nos mesmos valores ao longo das últimas semanas), todos os intervenientes no processo educativo – governo, escolas, docentes, famílias – querem poder sonhar com a abertura do ano letivo sem condicionamentos demasiado restritivos, mas todos mantêm em suspenso um compromisso que se possa vir a revelar precoce e por isso ineficiente.
Porém, o verão é longo ainda, e cada dia passa devagar para quem está a pensar na nossa saúde individual e coletiva. É necessário ser cauteloso na hora de antecipar cenários, planos, desejos. Mas não é possível resistir às saudades das salas de aula, das mochilas carregadas, dos lápis de cor e dos cadernos, às saudades dos trabalhos de grupo no bar, das jornadas de estudo na biblioteca, das longas conversas empoleirados num dos muros do campus.
Os meses de março a junho não foram fáceis para ninguém
Nem sempre se fez bem, talvez devêssemos ter feito outras coisas, é verdade. É certo também que não é difícil encontrar aspetos melhoráveis na organização do ensino, no seguimento das aulas online, na relação professor-aluno, na intervenção das direções pedagógicas, no papel das famílias. São imensos os contrastes entre anos de escolaridade, entre escolas, entre regiões do país, entre professores, entre recursos tecnológicos disponíveis, velocidades de ligação à internet, etc. E como escreveu a jornalista Sara Belo Luís, é muito importante que nós, os privilegiados, saibamos “calçar os sapatos dos outros” (Visão, 13-4-2020, “Zoom, Classroom, Telescola…? Mas o problema do ensino à distância é o acesso à Internet?”).
O ensino a distância não é realmente a escola
Mas este ano foi a escola possível e é muito bom o que conseguimos alcançar juntos – escolas, famílias, agentes locais (recordo a importante intervenção das freguesias e das paróquias, por exemplo, junto dos alunos mais desfavorecidos).
Consciente de que nem todas as experiências foram positivas, de que cada ano escolar e cada idade condiciona a aprendizagem nesta situação, consciente do cansaço, das limitações da falta de contacto pessoal, das implicações de estar longe do espaço físico escolar, da suspensão dos apoios, nomeadamente na alimentação, consciente de tudo isto, dizia, gostaria de fazer um brevíssimo balanço e centrar-me no que aprendemos e no que recebemos.
Aprendemos alguma matéria e muito sobre organização, sobre trabalho autónomo, sobre plataformas digitais de ensino, sobre partilhar material e espaço, lemos um pouco mais, tentámos fazer exercício, conversámos e procurámos ajudar, pensámos, desistimos, insistimos.
Recebemos atenção, solidariedade, debate de ideias, opiniões que ajudaram a formar as nossas; zangámo-nos, comovemo-nos e sentimos que há pessoas que se preocupam connosco. Muitos professores tiveram um incomensurável trabalho: dedicado, persistente, flexível, criativo, sério, rigoroso e amoroso, que de várias maneiras terá “salvo” o ano de muitos alunos e famílias que precisam de encontrar um sentido para o seu esforço, para a sua reinvenção, para as suas dúvidas acerca da “escola possível”.
Insisto: sem fingir que correu tudo bem, creio que muitos de nós – pais, alunos, educadores, professores, avós, tios, irmãos – que estivemos nas salas de aula online, telefónicas, televisivas, podemos fazer um balanço positivo do ano letivo.
Porque, apesar dos pesares, foi possível de um modo geral manter viva a chama recíproca do ensinar e do aprender, do questionar e do rasgar de horizontes, em liberdade, com consciência, solidariedade e criatividade.
Foto da capa: Desenho de Rodrigo A., 3º ano de escolaridade