A escola impossível

Uma escola sequestrada pelo medo, pelo constante questionar do seu funcionamento, pela hesitação, pelos cenários catastrofistas, é uma escola tolhida, encolhida, embotada. É uma escola impossível, não é a escola.

Em julho, escrevi sobre “A escola possível”, num texto que procurei que fosse de homenagem aos professores, às famílias, aos alunos e às comunidades, que fizeram de um ano letivo inesperado e difícil, um ano de superação individual e coletiva. Como escrevi então (e que distante parece este “então” de dois meses apenas), o ensino a distância não é realmente a escola, mas foi a escola possível e foi muito bom o que conseguimos alcançar em conjunto.

Neste setembro de expetativas incomuns, queria voltar à escola para pensarmos juntos um pouco mais sobre o que nos espera este ano. E uso um nós absolutamente plural: nós, professores; nós, pais; nós, alunos de diferentes níveis de ensino; nós, famílias (irmãos, avós, tios, padrinhos…); nós, finalmente, país que sabe que a Educação é a pedra basilar de uma sociedade sempre à procura do melhor de si, para todos.

Numa leitura de superfície e não por isso menos verdadeira, o que nos espera é uma escola muito parecida com a que tivemos até meados de março: aulas presenciais para todos os níveis de ensino. À exceção de algum ensino universitário, que será em regime de b-learning (b significa blended, ou seja, combinando sessões presenciais com sessões online), as escolas que estão a abrir portas por estas semanas têm os seus alunos sentados nas carteiras diante dos professores.

Porém, numa leitura mais aprofundada, sabemos que há outros aspetos da escola que são diferentes: as máscaras, as medidas de higiene, a presença inequívoca de meios informáticos no processo de ensino-aprendizagem, a preocupação específica com as matérias do ano letivo anterior. A maior diferença, porém, é a da expetativa acerca do modo como a situação sanitária poderá ou não voltar a afetar o funcionamento da escola: há contágios de Covid?
É preciso fechar a escola? Só uma turma fica em quarentena em casa? O que fazer se um professor tiver de ficar em casa? O que fazer com os alunos em grupos de risco? As crianças e jovens não podem conviver todos juntos no recreio? E os alunos que continuam sem acesso a computador? E os professores? E devo deixar o meu filho ir para a escola assim? E se me contagio? E onde vai comer a minha filha? E fazem educação física?

Enfim, as perguntas acumulam-se e sobretudo aumenta aquela sensação de ansiedade por saber que não há respostas por antecipação e que provavelmente elas serão diferentes em cada escola, em cada caso.

Uma escola que assim reabre é uma escola impossível

Explico melhor: isto não é escola.
A escola – na sua imperfeição – tem de ser lugar de esperança, lugar de presente e de futuro, lugar de liberdade, de respeito, de criatividade, de sonho, de entreajuda, de jogo, de confiança, de crescimento intelectual e emocional.

Uma escola sequestrada pelo medo, pelo constante questionar do seu funcionamento, pela hesitação, pelos cenários catastrofistas, é uma escola tolhida, encolhida, embotada. É uma escola impossível, não é a escola.

A escola tem de ser entusiasmo, liberdade, construção. É nestes e noutros valores que crescem as nossas crianças e jovens, que se formam as pessoas que somos e que eles serão; os cidadãos de que a democracia precisa. Note-se: sei que todos os cenários devem ser postos seguindo as orientações das autoridades de saúde e de educação, que devemos ser realistas perante a situação de pandemia que vivemos, que é importante a cautela, e que é evidente que a escola não sai incólume da experiência por que passou.

A Escola COVID, desenho de Miguel Cardoso

Nestes dias de setembro, como todos os anos, mas quiçá mais do que noutros anos, vemos nas nossas famílias e entre os nossos amigos, o entusiasmo com que muitos alunos se preparam para o regresso às aulas; não só a pensar na mochila nova, nas etiquetas para identificar os livros, na escolha dos cadernos. Meninos e meninas de várias idades (e uns mais crescidos que exteriorizam menos, mas que igualmente pensam no assunto) antecipam como vai ser bom rever os amigos, pensam se haverá professores novos, desejam “que me calhe” aquela stôra, emocionam-se com as futuras conversas e as brincadeiras do recreio, agitam-se com a eventualidade de mudar de turma. Há tanta alegria envolvida!

É nesta alegria que nos devemos concentrar: nós, professores; nós, pais. Sim, nós somos os adultos; sim, nós somos responsáveis, mas não assumamos as necessárias responsabilidades arrebatando a alegria às nossas crianças e aos nossos jovens. Saibamos, como sempre e mais do que nunca, participar desta escola integral: conteúdos programáticos, normas académicas, mas também compromisso cívico, experiência ética e prática de socialização.

Com alegria, pelas nossas crianças.

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