David Santos
Quero começar por vos contar a história de uma empresa que nos pode ensinar bastante. Era o ano de 1974, e o Bangladeche encontrava-se numa situação muito difícil, causada pela guerra e por consecutivas catástrofes naturais.
Vivendo neste contexto, um professor universitário decidiu agir para melhorar a situação: “Eu sentia uma dificuldade crescente em ensinar elegantes teorias económicas na sala de aula enquanto uma terrível fome grassava lá fora”.
Posto isto, ao tentar perceber o que poderia fazer para ajudar, descobriu que os empréstimos que os pobres obtinham de “prestamistas” para quantias irrisórias, necessárias para subsidiar as suas tentativas de ganhar a vida, eram demasiado exigentes e transformavam-nos em escravos. Nestas condições, por mais que trabalhassem, não iriam conseguir escapar à pobreza.
Assim, para libertar estas pessoas, fez uma lista com o nome das que tinham contraído empréstimo na sua localidade, e tratou de as ajudar. “Meti a mão ao bolso e dei-lhes o dinheiro para pagarem o empréstimo”.
Pensando depois: “Se este pequeno gesto fez tantas pessoas felizes, porque não repeti-lo mais vezes?”. Posto isto, em 1976 e após conversas falhadas com bancos para concederem empréstimos aos pobres (por, no entendimento destas instituições, não serem credores viáveis), decidiu oferecer-se para ser fiador da classe mais desfavorecida e começou a distribuir-lhes empréstimos, assinando todos os papéis que o banco pedia.
O Banco da Aldeia
E como resultou? A verdade é que as pessoas pagavam sempre as suas dívidas dentro dos prazos definidos e servir as necessidades financeiras dos pobres parecia até um negócio viável. Decidiu então criar um banco para os pobres, chamado Banco Grameen (“banco da aldeia”), para disponibilizar pequenos empréstimos sem garantia, e com algumas características particulares para impulsionar o empreendedorismo e autossuficiência entre o povo do Bangladeche e não a dependência. Desde aí, este banco tornou-se uma instituição bancária a nível nacional, existindo também atualmente programas deste tipo em todo o mundo.
Muhammad Yunus e a empresa social
Muhammad Yunus foi laureado com o Prémio Nobel da Paz, em 2006. Ao começar a ler o seu livro A empresa social nos dias anteriores à redação deste artigo, resolvi trazer-vos este magnífico exemplo. Este livro, publicado em 2011, explicita o conceito de empresa social, o conceito de empresa do Banco Grameen.
Por definição, uma empresa social é uma empresa dedicada totalmente à resolução de um problema social usando métodos próprios das empresas, como a produção e a venda de produtos ou serviços. Segundo o autor, existem dois tipos: o primeiro tipo é uma empresa sem prejuízos (autossustentada) nem dividendos, dedicada a um problema social, cujos proprietários são investidores que reinvestem todos os lucros para expandir e melhorar a empresa; o segundo tipo é uma empresa com fins lucrativos cujos proprietários são pessoas pobres.
Para o tipo um, existem sete princípios formulados neste livro:
- O objetivo principal do negócio é ultrapassar a pobreza, resolvendo um ou mais problemas que afligem os indivíduos e as sociedades, não maximizar o lucro;
- A empresa atingirá a sua própria sustentabilidade financeira e económica;
- Nenhum dividendo é atribuído aos investidores para além do reembolso da quantia investida originalmente;
- Quando a quantia for reembolsada, o lucro fica na empresa, para a sua expansão e melhoramento;
- A empresa é responsável do ponto de vista ambiental;
- Os seus trabalhadores recebem um salário de mercado, com condições de trabalho acima da média;
- Faça-o com alegria!
Responsabilidade social

Este tipo de empresa difere de uma organização sem fins lucrativos ou da responsabilidade social empresarial de empresas com fins lucrativos.
No entanto, e sendo que muitos dos leitores poderão trabalhar neste tipo de empresa tradicional, lanço três questões que todos podemos refletir sobre princípios básicos de responsabilidade social que todas as empresas com fins lucrativos deveriam seguir, indo cada uma mais longe que a anterior:
- A minha empresa está comprometida a não tornar o mundo um lugar mais perigoso do que seria sem o seu negócio?
- Esta contribui para tornar o nosso planeta mais seguro do que seria sem ela?
- Cumpre leis e regulamentações relativas à segurança, à responsabilidade ambiental, à integridade financeira, entre outras, e além disso, contribui ativamente para o bem-estar da sociedade a nível local, nacional e global?
As empresas sociais e a responsabilidade social nas empresas têm tido enormes avanços nos últimos tempos. Isto são sinais muito positivos, mas muito há ainda por fazer.
Estando nós ligados ou não ao mundo empresarial, sendo nós proprietários de empresas ou colaboradores, todos podemos retirar lições práticas destes tópicos para o nosso dia-a-dia. Que a nossa missão empresarial (e pessoal) nos leve cada vez mais a alinhar-nos nestes tópicos e a fazer da nossa Casa Comum um lugar inclusivo e digno para todos!

David Santos é natural da vila da Benedita e apaixonado por temas de impacto social.
Licenciado em gestão pelo Politécnico de Leiria, trabalha na área comercial de uma empresa de energias renováveis,
É membro da equipa de coordenação da rede “Economia de Francisco Portugal”.
Foto da capa: Mohammad Yunus, economista e banqueiro bengali, prémio Nobel da paz 2006, autor do livro O banqueiro dos pobres. Foto do Fórum Económico Mundial 2009, em Davos, Suíça, durante a sessão “Restaurando o Crescimento através da Economia Social”. | Wikimedia Commons.
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