Partilho com os nossos leitores uma experiência que me tem causado grande desconforto, e mesmo alguma angústia, nestes dias. Refiro-me à experiência do tempo ou, melhor dito, da falta de tempo. Não creio que esta referência cause surpresa a ninguém, pois já todos, num ou outro momento, tivemos a sensação de que o tempo não chegava para tudo aquilo que tínhamos de fazer.
Pois bem, é isso que me está a acontecer. Olho para a minha agenda e vejo como está carregada de cores (tenho um código de cores para as várias atividades), preenchendo quase a totalidade das horas do dia e mesmo do fim de semana. E muitas das noites também estão coloridas. Tantas coisas para fazer, tantas coisas quase que encavalitadas em cima umas das outras.
Ao ver essa mancha colorida fica a sensação, embora deva antes dizer, para prestar tributo à verdade, fica a certeza de que já não é possível dar conta do recado. Então torna-se necessário adiar, recalendarizar, procurar novos espaços, num exercício um pouco inglório de libertar tempo que acaba, depois, por ser ocupado noutra altura. É a dança das cores no meu calendário. Mudam de um lado para outro, mas em boa verdade não desaparecem. Libertam um espaço aqui, mas ocupam outro logo acolá e a mancha vai-se espalhando. Ao tomar consciência desta realidade vem-me à memória o que podemos ler no nº 18 da Laudato si’:
A contínua aceleração das mudanças na humanidade e no planeta junta-se, hoje, à intensificação dos ritmos de vida e trabalho, que alguns, em espanhol, designam por «rapidación». Embora a mudança faça parte da dinâmica dos sistemas complexos, a velocidade que hoje lhe impõem as ações humanas contrasta com a lentidão natural da evolução biológica. A isto vem juntar-se o problema de que os objetivos desta mudança rápida e constante não estão necessariamente orientados para o bem comum e para um desenvolvimento humano sustentável e integral. A mudança é algo desejável, mas torna-se preocupante quando se transforma em deterioração do mundo e da qualidade de vida de grande parte da humanidade.
Rapidación é a palavra que, na minha língua materna, traduz bem aquilo que estou a sentir e que, certamente, já muitos, para não dizer todos, sentiram. Temos ritmos de vida tão acelerados que corremos o risco de não saborear a vida.
Com isto não estou a dizer que as coisas que temos de fazer não sejam importantes. Sei que o são, embora também saiba (não o sabemos todos?) que nem todas o são na mesma medida e que até algumas (muitas?) não o são mesmo, embora os nossos estilos de vida lhe acabem por dar esse estatuto.
Sei também que para muitos o tempo não corre (não foge) assim, pois a situação em que se encontram, tantas vezes de fragilidade e sofrimento, parece nunca mais ter fim. Não quero ser injusto parecendo desconhecer que para esses o tempo demora muito, mesmo demasiado, a passar.
O que quero partilhar é esta convicção da necessidade que temos de parar a dança das cores nos nossos calendários, ou seja, a necessidade de desacelerar o nosso ritmo de vida e não por que a vida não seja importante, mas precisamente porque o é.

As coisas importantes que temos de fazer, têm mesmo de ser feitas, mas para dar sabor e significado à vida, à nossa e à dos outros, mas no meio de espaços que não estejam todos preenchidos por cores. Por mais difícil que seja, parece-me que temos mesmo de rever a paleta de cores do nosso calendário.
O tempo da quaresma que estamos já a viver é um tempo propício para fazer esse exercício. Nele somos convidados a parar, não para nos imobilizarmos, mas, pelo contrário, para não corrermos o risco de ficar paralisados, porque o tempo não chega para viver. Este é o tempo próprio para pararmos a dança das cores, para priorizar e ver o que é realmente importante para a vida, e repito, para a nossa e para a dos outros.
Este é o tempo adequado para preenchermos muitos espaços do calendário com o nome de pessoas em vez de cores, de modo a nunca esquecer que a vida humana, mais do que a partir de simples dinâmicas biológicas, se tece a partir das relações pessoais.
Este é o tempo oportuno para deixar espaços em branco no calendário, não porque queiramos ter espaços brancos na nossa vida, mas precisamente pelo contrário, porque precisamos do dom, da gratuidade, da surpresa, da novidade, do Espírito (e Ele sopra como quer e do modo que quer) para que ela aconteça em toda a sua amplitude.
Precisamos de mudanças, sim. Mas daquelas que sejam adequadas à condição humana, daquelas que sejam adequadas ao cuidado da nossa Casa Comum. Para isso temos de deixar de fazer tantas coisas, para fazer aquelas que são as justas e necessárias. Precisamos mesmo de parar a dança das cores, de modo a que o nosso calendário tenha as tonalidades que melhor traduzam a condição humana, e uma vez mais, a nossa e a dos outros.
Foto da capa: Elnur – stock.adobe.com
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