217 minutos de espanto, comoção e nostalgia

“Eu, disse o principezinho para consigo (na conversa com o comerciante de pílulas aperfeiçoadas para acalmar a sede), se tivesse cinquenta e três minutos para gastar, o que fazia era dirigir-me devagarinho para uma fonte…”.

Pois bem, quem tiver 217 minutos para gastar, faça o favor de se sentar e olhar este filme. De facto, não se trata propriamente de um filme, é um documentário filmado numa escola real, com este professor e estes alunos e tudo o que anda à volta de um ano escolar.

O Professor Bachmann e a sua turma, de Maria Speth, Documentário, M/14, ALE, 2021. Urso de Prata, Prémio do Júri no Festival de Berlim.
O Professor Bachmann e a sua turma, de Maria Speth, Documentário, M/14, ALE, 2021. Urso de Prata, Prémio do Júri no Festival de Berlim.

O professor é Dieter Bachmann, os alunos são todos filhos e filhas de imigrantes (uns já nascidos na Alemanha, outros não), vindos de muitos países (Turquia, Rússia, Bulgária, Brasil…) e a escola fica na cidade de Stadtallendorf. Uma cidade com uma história ‘curiosa’ e interessante, que também é explicada no filme (realizado por Maria Speth e apresentado na Berlinale de 2021).

Não se trata de uma reflexão sobre pedagogia – ainda que o filme seja altamente pedagógico – ou de interrogar o modo como se ensina, mas tão só de mostrar como aquele professor, tendo diante de si aqueles adolescentes tão diferentes (na origem, na educação, na cultura, na personalidade…), os acompanha e os faz crescer, para que eles possam – depois daquele ano – prosseguir os seus estudos na ‘escola normal’. E é esse trabalho que é incrível, espantoso, comovente e nostálgico.

A nostalgia é minha porque sempre me fascinou a relação educativa. Sim, eu conheço aquela frase de Paulo Freire: ‘Ninguém ensina ninguém’ e entendo o que ele quer dizer. Educar, como nos ensina a origem latina da palavra é ‘trazer para fora’. Não se trata de pegar num funil e encher a cabeça dos alunos com matérias, mas de pegar no cinzel (acontece realmente no filme, no atelier de um escultor) e mostrar a beleza que está escondida dentro de cada um e cada uma. É isso que o professor Bachmann faz, com arte, paciência, muitas experiências diferentes, com dedicação e amor, com proximidade e autoridade. É um professor que faz muitas perguntas, não para avaliar e dar notas, mas para que cada um e cada uma seja ‘obrigado’ a encontrar as razões para as suas afirmações, a duvidar do que diz e do que faz, e descubra que talvez deva mudar. Entre outras, talvez a cena mais paradigmática seja o diálogo – depois de uma canção que falava disso – sobre a homossexualidade, com todos, mas sobretudo com uma das raparigas mais luminosas e interventivas. Ele só faz perguntas para ‘obrigar’ a pensar e ela acaba a sair da sala com um ‘não sei…’.

Aquela sala de aula parece a sala de estar de uma casa de família, e tudo pode acontecer ali: cantar e fazer música, cozinhar, descansar, conversar em roda, receber as famílias. O que importa é a participação de todos, no respeito pela identidade de cada um; é a descoberta da solidariedade, da entreajuda, da liberdade, do trabalho, da alegria, do lutar pelo que se sonha.

Muitos verão aqui – a própria realizadora o refere – um ‘bom exercício de democracia’. Eu, no contexto sinodal que estamos a viver e especialmente interessado (para não dizer preocupado) em aprender como escutar todos, e as crianças e adolescentes em particular, vi nestes duzentos e dezassete minutos de palavras e imagens um magnífico exercício de sinodalidade, de capacidade e arte para escutar, para falar e ser escutado.

Quem me dera ter essa capacidade, quem me dera que a catequese que fazemos tivesse alguma semelhança com esta experiência.


O Professor Bachmann e a sua turma, de Maria Speth, Documentário, M/14, ALE, 2021. Urso de Prata, Prémio do Júri no Festival de Berlim.

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