Falta de senso… ou aproveitamento?

Julgar a história passada com as categorias do presente pode levar a consequências funestas, em detrimento da verdade e da paz.

Hoje, na nossa sociedade perturbada por vários vírus que atacam o corpo e o espírito, assistimos a manifestações alarmantes. Exemplo disso são os monumentos erigidos, ao longo de várias épocas, para vincar obras e pessoas que deram um contributo importante para o crescimento da humanidade, para o diálogo entre culturas e povos, embora iluminados (e condicionados) pela mentalidade do seu tempo.

Figuras como Frei Junípero Serra, que se colocou ao lado dos indígenas para que tivessem uma vida digna, não podemos apelidá-las de “racistas” só porque foram nos mesmos barcos dos colonizadores. Robert Baden Powell, fundador do Movimento Escutista, foi (e é) uma pessoa benemérita no que se refere à pedagogia juvenil de todos os tempos. Confiná-lo a um período colonial de exploração dos indígenas africanos significa desvirtuar a sua figura como homem e educador. Decepar a cabeça de um busto que dá o seu nome a uma rotunda da cidade de Coimbra é, não só um ato de vandalismo, mas uma tentativa de conspurcar a verdade.

Nem sempre o que fazemos, mesmo quando motivado por bons sentimentos, representa a melhor escolha; mas uma pessoa vale não simplesmente por aquilo que faz, mas pela forma como o faz e pelas razões que o motivam. Santo Agostinho sintetizava assim o Evangelho: “Ama e faz o que quiseres”. Na verdade, quem ama renuncia a si próprio e põe o outro em primeiro lugar. Assim fez Jesus, assim procuram fazer os discípulos.

E que dizer de Santo António e dos Mártires de Marrocos? Queriam “converter” os muçulmanos, motivados pelos melhores sentimentos, mas o seu objetivo ficou logrado, pois os caminhos de Deus são insondáveis, Ele que nunca força a liberdade dos seus filhos. Depois do naufrágio e da queda dos seus “sonhos”, Santo António começou a entender e, por isso, na sua pregação contra os hereges, nunca forçou a conversão, antes procurou mostrar que a força do amor pode “transportar montanhas” (Mc 11, 23).

Eis o que a experiência de António nos ensina: só a força de Deus e da sua Palavra nos podem fazer avançar pelo caminho da verdade e da paz; e só o diálogo nos pode levar à fraternidade universal. Qualquer outro caminho, baseado na força do poder ou do dinheiro, apenas nos afastará ainda mais deste ideal.


Foto da capa: Estátua de Frei Junípero Serra vandalizada, Palma de Maiorca, Espanha, 22 de junho de 2020.Foto EPA / Atienza.

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