10 anos de pontificado

1. Os gestos

No dia 13 de março de 2013 a surpresa da multidão que aguardava o novo Papa: Boa noite…

Um grande silêncio acolhe este primeiro gesto de um papa que vem do fim do mundo. É o primeiro grande sinal de proximidade e de encontro, um gesto profético de uma nova linguagem. E a surpresa continua: Peço que rezem ao Senhor para que Ele me abençoe. Um gesto semente que irá começar a desenvolver-se com a proposta sinodal, devolvendo ao Povo de Deus o seu papel de protagonista no crescimento eclesial.

beijar os pés dos líderes em guerra no Congo suplicando a paz

Estes dois gestos primeiros irão sendo acrescentados de outros, como uma linguagem nova de comunicação. A boa nova do Reino passará a contar, com o Papa Francisco, com gestos simples, mas marcados de densidade: acariciar as crianças, abraçar os doentes, beijar os pés de reclusos e reclusas ou ainda no gesto surpresa de beijar os pés dos líderes em guerra no Congo suplicando a paz para os povos mártires. A imagem de uma Igreja Samaritana que se aproxima dos feridos… dos excluídos, dos que carregam a dor e a raiva, mas são capazes do perdão.

Nas suas viagens criteriosamente escolhidas multiplicam-se os gestos de atenção às periferias, os gestos de defesa dos emigrantes e refugiados, os gestos de aproximação a outras Igrejas e a outas outras experiências religiosas. As suas viagens são um clamor contra a globalização da indiferença (Lesbos).

Não conseguimos entrever como vão germinar os seus gestos de encontro com outras experiências de um modo especial o mundo muçulmano.

Num mundo desconfigurado pelos abusos do poder e da guerra e pelo desenfreado e imoral consumo que deixa vazia a dispensa para as gerações vindouras, Fratelli Tutti e Laudato Si são sementes que aguardam ainda o seu tempo de germinação e crescimento.

Mas há um gesto do papa que é necessário ter sempre presente: Na Praça de São Pedro, em 27 de março de 2020, o Papa Francisco ergue a sua voz em prece pela humanidade esmagada pela pandemia. Caminhou sozinho debaixo de chuva e falou sentado sozinho diante de uma praça silenciosa e vazia.

Percebemos que estamos no mesmo barco, todos frágeis e desorientados, mas ao mesmo tempo importantes e necessários, todos fomos chamados para remar juntos, cada um de nós precisando confortar o outro.

O vírus expôs a vulnerabilidade das pessoas às certezas falsas e supérfluas em torno das quais construímos os nossos horários diários. Num tempo em que ninguém pode salvar-se sozinho, uma nota de apreço e de gratidão a todos os médicos, enfermeiras, funcionários de supermercados, produtos de limpeza, prestadores de cuidados, trabalhadores de transporte, polícia e voluntários, dizendo que eles, e não os ricos e famosos do mundo, estavam escrevendo os eventos decisivos do nosso tempo.

2. Os sonhos

Salientando os gestos e sinais do Papa Francisco, numa recuperação dos sinais evangélico da proximidade e do encontro não podemos deixar de anotar os sonhos do Papa Francisco.
É com palavras de Paulo Freire que quero iniciar este apontamento:

Ai daqueles e daquelas que pararem com a sua capacidade de sonhar, de inventar a sua coragem de denunciar e de anunciar. Ai daqueles e daquelas que, em lugar de visitar de vez em quando o amanhã, o futuro, pelo profundo engajamento com o hoje, com o aqui e com o agora, ai daqueles que em lugar desta viagem constante ao amanhã, se atrelem a um passado de exploração e de rotina. pelo profundo engajamento com o hoje, com o aqui e com o agora

Com estas palavras quero salientar a força do sonho, a sua capacidade de entrar no futuro. Há pessoas que gostam e se revêm na saudade do que foi, que preferem ancorar-se nas águas calmas do passado mais do que lançar-se para o alto mar do desconhecido. No seu memorável livro Ser Cristão, Hans Kung fala do desafio criador das utopias para referir que quando não há utopias servem-se melancolias.

Com esta introdução dou a palavra ao Papa Francisco:

Queridos jovens, queridos irmãos e irmãs, não renunciemos aos grandes sonhos. Não nos contentemos com o que é devido. O Senhor não quer que restrinjamos os horizontes, não nos quer estacionados nas margens da vida, mas correndo para metas elevadas, com júbilo e ousadia. Não fomos feitos para sonhar os feriados ou o fim de semana, mas para realizar os sonhos de Deus neste mundo. Ele tornou-nos capazes de sonhar, para abraçar a beleza da vida. E as obras de misericórdia são as obras mais belas da vida. As obras de misericórdia vão ao centro de nossos grandes sonhos. Se você tem sonhos de verdadeira glória, não da glória passageira do mundo, mas da glória de Deus, esta é a estrada; pois as obras de misericórdia dão mais glória a Deus do que qualquer outra coisa. Ouçam bem isto: as obras de misericórdia dão glória a Deus mais do que qualquer outra coisa. Seremos julgados no final, sobre as obras de misericórdia.

Homilia da Missa na Solenidade de Cristo Rei, Basílica de São Pedro, in Vatican News, 22 novembro 2020.

Mas é sobretudo na Querida Amazónia que os 4 sonhos do Papa se abrem com ousadia

Sonho social:
Sonho com uma Amazónia que lute pelos direitos dos mais pobres, dos povos nativos, dos últimos, de modo que a sua voz seja ouvida e sua dignidade promovida.

Sonho cultural:
Sonho com uma Amazónia que preserve a riqueza cultural que a caracteriza e na qual brilha de maneira tão variada a beleza humana…
em qualquer projeto para a Amazónia, é preciso assumir a perspetiva dos direitos dos povos e das culturas, dando assim provas de compreender que o desenvolvimento dum grupo social (…) requer, constantemente, o protagonismo dos atores sociais locais a partir da sua própria cultura.

Sonho ecológico:
Sonho com uma Amazónia que guarde zelosamente a sedutora beleza natural que a adorna, a vida transbordante que enche os seus rios e as suas florestas.

Sonho eclesial:
Sonho com comunidades cristãs capazes de se devotar e encarnar de tal modo na Amazónia, que deem à Igreja rostos novos com traços amazónicos.
É com estas palavras que o Papa assume um sonho eclesial para a Amazónia. Um sonho feito de inculturação social e espiritual, um sonho feito com amor ao povo, cheio de respeito e compreensão.

Floresta da Amazónia, Brasil. Foto Jessica
Anderson | Unsplash

Não fomos feitos para sonhar os feriados ou o fim de semana, mas para realizar os sonhos de Deus neste mundo.
Ele tornou-nos capazes de sonhar, para abraçar a beleza da vida. E as obras de misericórdia são as obras mais belas da vida.

Foto da capa: Papa Francisco, carregando a própria pasta, de partida para a visita ao Iraque, 5 março 2021. Foto EPA | TELENEWS

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