1, 2, 3… partida

Fernando entenderá aos poucos qual é o seu caminho de vida e tornar-se-á santo

O jovem Fernando ao dar os primeiros passos, não pode deixar de viver e desfrutar plenamente a própria idade, com as suas paixões e conflitos.
“Um bom começo é meio caminho andado!” É o que nos repetem muitas vezes para nos encorajar. Sim, como se fosse fácil!

Onde está esse “começo” ideal? Onde posso comprar esse “bloco de partida” capaz de me fornecer a energia necessária para o arranque? É que, se eu olhar para dentro de mim ou ao meu redor, o que vejo não me deixa, propriamente, sossegado.

Pergunto, então, existe realmente um começo ideal? Alguém já se deparou com uma situação inicial com todas as peças encaixadas no devido lugar? Alguém já teve a sorte de embarcar numa vida perfeita e sem problemas?

Certamente, isso não aconteceu com Fernando (por enquanto, vamos chamá-lo assim, pois este é o seu primeiro nome antes de se tornar famoso como “António de Lisboa”). Poderíamos, talvez, pensar que a sua vida foi invejável: de uma família nobre e rica, entre as mais notáveis da cidade de Lisboa, com abundantes recursos à disposição, sem preocupações. Podia divertir-se com os amigos e fazer noitadas ao fim de semana. O mínimo esforço nos estudos e o dinheiro do pai faria o resto! 

Outro jovem, na longínqua Assis, estava a viver, mais ou menos, a mesma situação privilegiada.

No entanto, para seguirem o sonho da sua vida, nenhum deles conseguiu escapar ao confronto com as expectativas da família. No caso do nosso Fernando, seriam as honras e a glória no campo de batalha, um cavalo fogoso, uma armadura brilhante e, talvez, um rol cintilante de medalhas ao peito.

Ou seja, ambos experimentaram que onde estamos é exatamente onde deveríamos estar. Este é o ponto de partida, sem exceção para ninguém. Não é nem melhor, nem pior do que o dos outros. Rico em muitos recursos, carecendo de tantos outros, é sempre o único ponto de partida que temos à disposição, porque é o nosso ponto de partida.

O ambiente em que vivemos, a nossa família concreta, o contexto cultural e religioso, a história e os eventos que nos cercam: só podemos viver dentro deles, estar lá, ouvir e observar, assimilar e, às vezes, recusar. Ninguém pode considerar-se em situação de desvantagem. E cada qual construirá a sua própria biografia, humana e espiritual, não começando de um lugar qualquer ou procurando outro tempo e lugar, sabe-se lá onde, mas a partir do único disponível: a partir de si próprio, aqui e agora.

Há um par de milagres que a tradição relata na juventude de Fernando. O primeiro diz que, enquanto participava na Santa Missa, teve a aparição do diabo. Fernando mandou-o prontamente embora, traçando o sinal da cruz no mármore do chão. Em outro, diz-se que ordenou a um bando de pássaros que permanecesse dentro de um barracão, para evitar que dizimassem um campo de trigo. Florinhas, nada mais. Mas em ambos os casos, constatamos que Fernando era um de nós: quem se distrai durante a missa, vê monstros por toda a parte, até mesmo, enquanto faz de acólito ao altar; e, no segundo episódio, o que vemos é um garoto que gosta de correr pelos campos, juntamente com os amigos e inventa uma bela historieta para desobedecer à ordem do pai de espantar os pardais.

Fernando entenderá aos poucos qual é o seu caminho de vida e tornar-se-á santo: mas, ao dar os primeiros passos, ele não pode deixar de viver e desfrutar plenamente a própria idade, com as suas paixões e conflitos. Não podemos alhear-nos da vida real. Também Fernando antes de ser ninguém terá que ser alguém. Só assim os seus sonhos poderão tornar-se projetos.

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