0,007 – Francisco no Congo e no Sudão do Sul

Quem é pobre dá tudo o que tem. A foto símbolo da viagem: no exterior da catedral de Juba uma criança oferece uma nota ao Papa.
Andrea Tornielli (Diretor Editorial do Dicastério para a Comunicação do Vaticano), Foto Vatican Media, 4 FEV 2023.

É sempre uma boa oportunidade acompanhar as visitas do Papa. São momentos únicos que abrem a catolicidade da Igreja nos diferentes climas culturais, ajudando a relativizar as nossas memórias de um baço brilho de grandeza e domínio.

Esta visita é um mergulho no mundo da pobreza e da violência. É entrar nas zonas onde a paz é apenas sonho e onde a dura realidade da exploração é servida diariamente.
Basta fixarmo-nos em dois momentos da viagem: O encontro com as vítimas das lutas fratricidas no Congo e o encontro com refugiados internos no Sudão do Sul.

Nessa tarde de 1 de fevereiro, depois da celebração em rito Zairense com um milhão de participantes, o Papa recebeu, na Nunciatura, algumas das vítimas das lutas fratricidas. Como foi possível? A violência da crueldade estampada no rosto e nas lágrimas contracena com a atitude do perdão e dos gestos. A compaixão ganha rosto nos mártires vivos. A heroicidade ergue-se como uma esperança na jovem mãe de duas gémeas concebidas quando era escrava sexual dos bandos armados. A emoção do Papa abençoando em carinhoso silêncio cada uma das vítimas é um grito mais forte do que as palavras:

Obrigado! Obrigado pela coragem destes testemunhos. Perante a violência desumana que vistes com os vossos olhos e experimentastes na própria pele, fica-se chocado. Só nos resta chorar, sem palavras, permanecendo em silêncio. Bunia, Beni-Butembo, Goma, Masisi, Rutshuru, Bukavu, Uvira… são lugares que os meios de comunicação internacionais quase nunca mencionam: lá e noutros lugares, tantos irmãos e irmãs nossos, filhos da mesma humanidade, são reféns da arbitrariedade do mais forte, de quem tem na mão as armas mais potentes, armas que continuam a circular. O meu coração está hoje no Leste deste imenso país, que não terá paz enquanto esta não for alcançada lá, na sua parte oriental…

A visita ao Sudão do Sul é o encontro com uma das populações mais pobres do mundo. Talvez, por isso mesmo, a criança que estende a mão e entrega ao Papa Francisco uma nota, equivalente a 0,007 euros, se tornou um ícone desta viagem, como salientou Andrea Tornielli, Diretor Editorial do Vaticano.

A viagem ecuménica do Papa Francisco, juntamente com o Arcebispo de Canterbury Justin Welby e o moderador da Igreja da Escócia Ian Greenshieds é um acontecimento simbólico no encontro em Roma como os dois protagonistas rivais nas lutas fratricidas. Nesse encontro entre os opositores, Francisco ajoelhou-se e beijou os pés dos dois suplicando a paz. Como diz o Papa Francisco foi algo inesperado pois não tinha pensado nisso, aconteceu como “uma inspiração”… Mas a paz não aconteceu.

Esperamos que, como foi anunciado depois da visita, a paz agora aconteça, com o compromisso solene do Ministro dos Assuntos Presidenciais do Sudão do Sul, Barnaba Marial Benjamim, e o Chefe da Delegação do Governo do país se terem comprometido e reatar as conversações com os grupos da oposição. Estas conversações serão mediadas pela Comunidade de Santo Egídio.

Como momento importante desta visita ecuménica o encontro com os refugiados foi uma ocasião para a palavra em uníssono pela paz dos responsáveis das três igrejas irmãs. Assim falou o Papa Francisco:

O futuro não pode ser nos campos de desalojados. É preciso – justamente como pedias tu, Johnson – que todos os rapazes como tu tenham a possibilidade de ir à escola e também o espaço para jogar futebol! Há necessidade de crescer como sociedade aberta, misturando-se, formando um único povo através dos desafios da integração, inclusivamente aprendendo as línguas faladas em todo o país e não apenas na própria etnia. É preciso assumir o risco estupendo de conhecer e acolher quem é diferente, para encontrar a beleza duma fraternidade reconciliada e experimentar a aventura inestimável de construir livremente o próprio futuro juntamente com o da comunidade inteira. E é absolutamente necessário evitar a marginalização de grupos e o levantamento de guetos dos seres humanos. Mas, para todas estas carências, há necessidade de paz. E há necessidade da ajuda de muitos, da ajuda de todos.

A oração ecuménica depois do encontro com os representantes dos cerca de quatro milhões de deslocados internos é uma bandeira a proclamar que a paz é possível, mesmo depois de anos de luta e de condenações, como sublinhou, na viajem de regresso, Justin Welby:

O facto de que estes três líderes religiosos tenham ido juntos pela primeira vez, certamente desde a Reforma, antes da qual duas de nossas Igrejas não existiam, creio que é um sinal de esperança para a paz e a reconciliação no mundo inteiro. Se aqueles que passaram 150 anos matando-se uns aos outros e os sucessivos 300 anos condenando-se mutuamente podem agora encontrar-se em busca de paz e reconciliação juntos, então qualquer um pode fazer isso.

Esta visita é um mergulho no mundo da pobreza e da violência. É entrar nas zonas onde a paz é apenas sonho e onde a dura realidade da exploração é servida diariamente.
Foto: Encontro do Papa com as vítimas do conflito no leste da RD do Congo, 1 FEV 2023. EPA/Vatican Media.
Esta visita é um mergulho no mundo da pobreza e da violência. É entrar nas zonas onde a paz é apenas sonho e onde a dura realidade da exploração é servida diariamente. Foto: Encontro do Papa com as vítimas do conflito no leste da RD do Congo, 1 FEV 2023. EPA/Vatican Media.

Esta é uma viagem para recordar e reler as diferentes intervenções na defesa do continente espoliado e saqueado das suas riquezas pelo apetite desenfreado dos poderes económicos.
Perante oficiais do Governo e membros do corpo diplomático nos jardins do palácio nacional de Kinshasa, o Papa afirmou:

Há uma noção – que sai do inconsciente de tantas culturas e pessoas – que África deve ser explorada. Isso é terrível. A exploração política deu lugar a um ‘colonialismo económico’ e igualmente escravizador…
O veneno da ganância manchou os diamantes [deste país] com sangue. Parem de sufocar África: não é uma mina a ser explorada, nem uma terra a ser saqueada…
Tirem as mãos da República Democrática do Congo, tirem as mãos da África! Chega de sufocar a África.

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